Publicado em terra.com.br
“Os primeiros a me abandonar foram aqueles que me chamavam de amigo.” Essa frase dita na série ‘Riverdale’ poderia ter sido verbalizada por Elizângela.
No velório da atriz e cantora não apareceu nenhum colega de televisão. Nenhum. Em mais de 50 anos de carreira, ela trabalhou com centenas de outros artistas.
A completa ausência de celebridades frustrou a imprensa no cemitério e ressaltou a precariedade das relações no universo da fama.
Elizângela sempre foi vista como uma colega agradável nos bastidores. Por que ninguém apareceu para se despedir diante de seu caixão?
A política explica. Ou melhor, o radicalismo. De um lado, a atriz assumiu posições polêmicas, como rejeitar a vacinação contra a covid-19. Chegou a dizer que a imposição do imunizante seria como um estupro.
Assumidamente de direita e bolsonarista, ela se manteve ao lado dos ‘patriotas’ mesmo após a eleição de Lula. Apoiou manifestações de rua que contestaram o resultado das urnas e a atuação do STF.
Essa militância teve efeito repelente: afastou os colegas da Globo e a classe artística em geral. Ainda bem que a filha única da atriz, Marcelle, contou com o abraço de alguns amigos anônimos ao se despedir da mãe.
Os Estúdios Globo, empresa onde a artista trabalhou em várias novelas de sucesso, enviaram uma coroa de flores. O ex-vice-presidente da emissora, Boni, e sua mulher, Lu de Oliveira, mandaram outra.
Gestos nobres de quem separou a cidadã-ativista dos últimos anos e a artista que ao longo de décadas deu relevante contribuição ao canal, onde estreou ainda criança, em 1966.
Não se trata, aqui, de passar pano a negacionistas e extremistas. O intuito é estimular uma reflexão sobre gratidão e ingratidão, amizades verdadeiras e falsas, aplausos e abandono.
Esse caso não foi uma exceção. Incontáveis outros atores, apresentadores e cantores morreram esquecidos e não receberam homenagens da própria classe por outros motivos, como a perda de status e dinheiro.