por Ivan Finotti, na FSP
Escola de jornalismo, veículo ‘fuzilado’ em 2001 unia invenção, noticiário sindical e linguagem próxima do trabalhador
O pênis voador, o Bebê-Diabo, o assassinato de Daniella Perez, a gangue do palhaço. Até hoje, sempre recebo um sorriso cúmplice quando digo que comecei a minha carreira jornalística no Notícias Populares.
Sempre foi muito “cool” ter trabalhado nele, o jornal do trabalhador. E já era em 1991, quando passei a bater ponto (modo de dizer, jornalista não batia ponto) no quinto andar do prédio da Folha. No ano anterior, a publicação havia passado por ampla reforma gráfica e de conteúdo.
Notícias escandalosas, manchetes sensacionalistas e mulheres peladas faziam parte dessa mistura que resultava num jornal que, se espremido fosse, sangue dele escorreria.
É clichê dizer que tal Redação era uma “escola de jornalismo”. No nosso caso, era mesmo. Eu tinha 20 anos e cursava o segundo ano quando fui contratado, assim como vários colegas da USP.
Havia dois tipos de dias. Os em que se sucediam coisas bizarras e o espaço de muitas reportagens ia diminuindo até elas caírem, isto é, ficarem de fora da edição, e aqueles em que nada ocorria e tínhamos que inventar. Inventar? Sim, mas não inventar uma ficção.
Lembremos o pênis voador. Primeira manchete. “Pênis voador aparece na zona leste.” O que parecia ser um pênis amarrado em um cadarço apareceu pendurado em um fio de energia. Antes mesmo de a polícia ser chamada, leitores telefonavam para o Notícias Populares.
O pênis voador venderia uns 150 mil exemplares na banca numa terça-feira. Estrondoso sucesso, pois a circulação ficava entre 100 mil e 120 mil.
Aí entrava o “inventar” as continuações da reportagem.
Segundo dia de manchete, após visita à delegacia. “Polícia caça dono do pênis voador.” Terceiro, entrevistando gente daquela rua. “Pênis voador assombra moradores.” Quarto, com representantes de uma parcela da população. “Açougueiros garantem: pênis voador não é meu.” Quinto, sobre o fato de os repórteres não localizarem o membro no IML mais próximo. “Pênis voador saiu voando.”
Inventei essas manchetes agora, mas era assim. André Barcinski, que foi meu chefe e é o criador da nova série, era um rei dos títulos bem sacados.
Era duro transformar as ideias em texto. Falávamos ao telefone, não havia internet. Saíamos de táxi com uma cartela de fichas telefônicas para irmos avisando a Redação.
Chegávamos a 20 minutos de concluir a edição e escrevíamos sob pressão dos editores, que gritavam “fecha!” para que soltássemos os textos.
Walter Novaes, secretário de Redação, contava que todos os dias o seu Frias (Octavio Frias de Oliveira, então publisher da Folha) ia para casa com um exemplar do NP embaixo do braço. “Da Folha? Não! Do NP”, dizia, orgulhoso.
Havia ainda um outro NP, menos festejado, e que no meio da loucura buscava ser sério. Que tinha um noticiário sindical caprichado, que não era puxa-saco da polícia como era o Aqui Agora, do SBT.
Um jornal feito por uma galera burguesa (nós), mas que aprendeu muito com os profissionais antigos. Para muitos, o NP era o veículo de notícias para o trabalhador. Era mais barato que os jornais maiores e tentava se aproximar dos leitores numa linguagem simples.
Parte dos colegas antigos seguiu usando máquina de escrever, mesmo após o NP herdar o primeiro lote de computadores já usados pela Folha. Isso vinha da renovação que o diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, estava imprimindo ao jornal. Egressos da Folha, Leão Serva, Laura Capriglione e Álvaro Pereira Júnior comandaram o NP naqueles tempos.
Pereira Júnior, hoje no Fantástico, escreveu um obituário para o Notícias Populares, publicado em janeiro de 2001, dias após o fim do jornal —que capengava pela falta de anúncios.
O ex-editor-chefe exibia seu ponto de vista de forma mais embasada do que este texto. “O NP sempre foi pedra no sapato, jornalismo sem máscara; a imprensa popular de sucesso, hoje, é moralista e rabugenta”, escreveu, à época. O título do obituário foi perfeito. “Fuzilado na Barão de Limeira.”
publicado na Folha e também aqui